Por que você paga mais impostos do que os super ricos no Brasil?
Sim, é uma luta de classes. Além disso, é uma questão histórica que coloca o Brasil entre os países mais desiguais do mundo
Ricardo de Moura Pereira
7/9/20254 min read


Ficará registrado na história a imagem do presidente Lula, durante um evento comemorativo do dia 2 de julho na Bahia, segurando um cartaz com a mensagem "taxar os super ricos". Lula deve ter percebido que o Congresso decidiu tornar o Executivo ingovernável e que não será um aliado na aprovação de sua proposta mais significativa para a reeleição: a isenção total do imposto de renda para aqueles que recebem até R$ 5 mil e uma isenção parcial para quem ganha até R$ 7 mil.
Em períodos de insucesso, especialmente diante do Congresso Nacional e também com a diminuição da popularidade, a melhor estratégia é a ofensiva. O presidencialismo de coalizão evidenciou suas limitações estruturais, evidenciadas pela resistência do Congresso Nacional em agir contra os privilégios de seus financiadores e em manter seu compromisso classista.
A única maneira de garantir a sobrevivência e a reeleição da chapa de Lula é se houver uma aliança com a população, ou seja, contando com a mobilização social para alterar a correlação de forças através de uma proposta que está em sintonia com o momento atual.
A questão da justiça fiscal já vem gerando movimentação nas redes e nas ruas. Após tudo, ao contrário de muitas outras reivindicações justas, a reforma na tributação brasileira possui um apelo material evidente – os cidadãos mais pobres pagarão menos ou até nada – e traz uma dimensão ideológica clara e de fácil compreensão: os cidadãos de baixa renda pagam uma proporção maior de impostos em comparação aos mais ricos.
O sistema fiscal brasileiro é considerado um dos mais injustos do mundo. Ao longo da história – desde a Constituição Federal de 1881, passando pelas outras quatro até chegar à Constituição Federal de 1988 – o sistema tributário permaneceu preso a uma estrutura repleta de distorções, ineficiências e injustiças sociais.
A maneira como o sistema tributário brasileiro está atualmente estruturado não apenas representa um obstáculo ao crescimento econômico, mas, acima de tudo, é uma das principais causas da continuada e inaceitável desigualdade social no país. Em suma, funciona contra o crescimento econômico, a equidade social e o equilíbrio federativo – por conseguinte, contraria o texto da Constituição de 1988.
Por outro lado, no Brasil, a arrecadação de tributos diretos é bastante limitada, fazendo com que a taxa sobre aqueles que têm maior rendimento seja insuficiente para impactar a desigualdade social e a concentração de riqueza e bens.
Apenas 4,4% da arrecadação total do Brasil vem da cobrança de impostos sobre patrimônio, ou seja, sobre a riqueza acumulada. Além disso, somente 21% do total arrecadado é oriundo do imposto de renda, um número que está muito abaixo do que se observa em nações mais desenvolvidas, onde esse imposto representa 34,1% da carga tributária total.
Ainda assim, a reforma do sistema tributário brasileiro enfrenta significativa resistência em partes da sociedade. Os mais influentes, que controlam o poder político e econômico, não demonstram interesse em abrir mão de suas vantagens.
A proposta apresentada pelo governo e por grupos sociais, que busca aumentar a carga para aqueles que ganham acima de R$ 600 mil por ano e oferecer isenções total ou parcial para quem recebe até R$ 7 mil mensais, é uma clara manifestação da luta de classes.
A luta de classes pode se manifestar de várias maneiras em uma sociedade capitalista, sendo a mais evidente o embate entre “capital” e “trabalho”. Isso se refere ao confronto entre os que exploram os trabalhadores e os que estão sendo explorados.
Entretanto, existem outras formas de expressar a tensão entre aqueles que possuem riqueza e os trabalhadores. A disputa pela imposição de impostos sobre os muito ricos e a isenção do Imposto de Renda para os mais pobres é uma questão de classes do ponto de vista da luta pela distribuição: trata-se de discutir como a renda e a riqueza do país serão divididas, se estarão nas mãos dos mais ricos por meio de uma tributação reduzida, ou se serão acessíveis aos mais necessitados através de isenções.
Enquanto você enfrenta dificuldades para quitar o Imposto de Renda, aqueles que vivem de rendimentos estão isentos de pagamento.
Na proposta apresentada pelo Governo Federal – que é também a proposta histórica dos movimentos sociais – os indivíduos mais abastados não enfrentarão uma taxa adicional simplesmente devido à sua riqueza. Em vez disso, a questão central é que eles não contribuem de forma proporcional à sua riqueza como os mais necessitados.
Esse conceito pode ser um pouco complicado de assimilar, mas vamos esclarecer. No Brasil, os cidadãos de baixa renda pagam uma proporção maior de impostos comparado aos mais ricos. Um dos fatores que explica isso é que a maior parte da arrecadação de impostos se dá através de tributações indiretas, como já discutimos. Outro ponto é que a principal fonte de rendimento dos ricos provém de ganhos de capital, e não do trabalho. E acredite ou não, os ganhos de capital são isentos de impostos no Brasil!
Exatamente: nós, trabalhadores, temos o Imposto de Renda retido na fonte. Entretanto, os mais ricos, cuja renda deriva em grande parte de juros e dividendos, não pagam nada. Apenas Brasil, Letônia e Estônia não aplicam impostos sobre juros e dividendos para pessoas físicas.
Observem atentamente: a linha azul mais acentuada representa a alíquota efetiva paga por diferentes faixas de renda. Note que o sistema tributário é progressivo até o grupo social que recebe até 40 salários mínimos por mês.
Isso significa que aqueles que recebem acima de 320 salários-mínimos mensalmente pagam apenas 6,36% de imposto sobre a renda. Isso é praticamente o mesmo que o grupo que ganha entre sete e dez salários-mínimos a cada mês. Isso se deve ao fato de que, repito, quanto maior a renda, maior é a incidência da chamada "renda do capital", principalmente os juros e dividendos.
Se vocês realizarem os cálculos, perceberão que 40 salários-mínimos correspondem a R$ 60 mil por mês, exatamente o montante que será utilizado para a sobretaxa na proposta atual. Portanto, não se trata de uma penalização para quem ganha mais. O governo está apenas fazendo uma correção de uma distorção.
Observem por si mesmos: a linha azul mais intensa representa a alíquota efetiva paga por diferentes faixas de renda. Notem que o sistema tributário é progressivo até a categoria que ganha até 40 salários-mínimos por mês.