O Veneno na Lei: Como as "PECs da Bandidagem" Ameaçam a Justiça
Uma análise profunda sobre as propostas que prometem endurecer o sistema penal, mas abrem brechas para a impunidade.
Ricardo de Moura Pereira
9/21/20255 min read


Com uma habilidade única para o realismo fantástico, o Brasil mais uma vez exibe uma peculiaridade em sua engenharia jurídica e legislativa. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), apelidada de "PEC da Bandidagem", é um exemplo disso. O nome, que surgiu da linguagem popular, já resume o seu objetivo: proteger parlamentares de processos criminais.
Essa PEC funciona como uma espécie de imunidade, garantindo que o exercício do poder possa se mover por áreas questionáveis com a certeza de que haverá proteção na Justiça. O contraste é irônico: enquanto o nome popular denuncia a proposta, a sua tramitação oficial segue os ritos formais da democracia.
Essa PEC, porém, não é um caso isolado. Ela se insere em uma longa tradição de propostas similares que vêm moldando o país desde a sua independência em 1822. A história brasileira mostra como a ilegalidade e o privilégio foram, diversas vezes, institucionalizados por meio de leis.
Um exemplo clássico é a Lei de 7 de novembro de 1831, que proibia o tráfico de pessoas escravizadas. Conhecida como "lei para inglês ver", ela serviu para apaziguar as pressões da Inglaterra, enquanto o contrabando de africanos escravizados atingia seu auge nas décadas seguintes. Era como se a lei dissesse: "é proibido, mas na prática, é permitido".
O que dizer da Lei Saraiva, a reforma eleitoral de 1881? Com o objetivo de "moralizar as eleições", ela exigia que o eleitor fosse alfabetizado. Numa época em que mais de 80% da população era analfabeta, essa medida foi, na prática, uma "PEC da Exclusão".
Com uma só canetada, a lei afastou a maior parte da população do processo político, assegurando que o poder continuasse nas mãos dos proprietários de terras e pessoas. Naquela época, o argumento usado era o da "instrução" necessária para um voto consciente. Hoje, argumentos similares sobre a complexidade da política são usados para manobras que, no fundo, buscam o mesmo: proteger interesses e excluir a população.
Constituições, golpes e ditaduras que se seguiram representaram o auge dessa tradição. A Constituição Republicana de 1891, por exemplo, limitava o direito ao voto a homens maiores de 21 anos, excluindo analfabetos, mendigos, soldados, mulheres e religiosos.
Isso fez com que menos de 5% da população da época tivesse direito a voto, garantindo que o eleitorado fosse uma pequena oligarquia. Dos 14,3 milhões de habitantes, apenas 800 mil (5,6%) podiam votar. As mulheres, que eram metade da população, não podiam votar. Pretos e pardos, recém-forros da escravidão, eram em sua maioria analfabetos. Mesmo entre os brancos, pouca gente sabia ler ou escrever no Brasil, que era predominantemente rural.
O Estado Novo de Vargas (1930-1945) e o regime militar de 1964 foram as "emendas à Constituição" mais brutais da história do país. O regime de Vargas se baseou em uma falsa ameaça comunista (o Plano Cohen, em 1937), e a ditadura de 1964 prometia acabar com a corrupção e o "perigo vermelho". Ambos suspenderam a Constituição em nome de uma suposta ordem que, na verdade, defendia os interesses de uma elite autoritária.
Cada Ato Institucional do regime militar foi uma "PEC da Bandidagem" em sua essência, legalizando tortura, censura e assassinatos em nome da "segurança nacional". A PEC atual não é uma novidade, mas a manifestação de um DNA político que busca criar uma zona de exclusão onde as regras não se aplicam aos seus membros.
A diferença é a falta de vergonha. Se antes as manobras eram justificadas pela "segurança nacional" ou "moralidade", hoje a justificativa é a autoproteção contra uma suposta "perseguição" do Judiciário. É um grupo agindo em causa própria, com a cobertura da TV Câmara.
O mais irônico de tudo é que, ao tentar se proteger, o Congresso acaba ficando mais exposto ao que diz combater. A imunidade parlamentar em excesso pode se tornar um convite para que o crime organizado, com seu grande poder financeiro, invista (ou continue a investir) em suas próprias bancadas. Por que subornar um deputado se eles podem eleger um?
A “PEC da Bandidagem” pode, na verdade, ser a porta de entrada para a “Bancada do Crime S.A.”, com direito a salário e discurso no plenário. Mas será que isso é realmente novo na história do Brasil? O que a bancada de escravocratas do século XIX diria? Ou até mesmo Dom Pedro II, que apesar de "ilustrado", governou a nação com o maior número de escravizados de todos os tempos?
No final, a história das “PECs da Bandidagem” no Brasil é a história de uma elite que nunca se sentiu à vontade com a ideia de uma República para todos. É a história de um Estado que, em vez de lutar contra o crime, se torna o próprio crime, com um lugar no parlamento. Para nós, cidadãos, resta a tarefa de criticar o espetáculo e lembrar que, na longa busca por direitos, a democracia é sempre a primeira a ser atacada. E, pelo visto, a arma, mais uma vez, está nas mãos daqueles que deveriam defendê-la.
Mais o que é a PEC da blindagem política da extrema direita brasileira?
A PEC da Blindagem, que propõe impedir ações criminais contra deputados e senadores sem a aprovação do Congresso, tem gerado críticas de especialistas e grupos de combate à corrupção. O receio é que essa medida possa aumentar a corrupção no uso de emendas parlamentares.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) alertou, em nota, que a PEC promove a impunidade e diminui a transparência, principalmente por permitir o voto secreto em decisões sobre a responsabilização de parlamentares.
De acordo com o diretor do MCCE, Luciano Santos, o aumento no volume de dinheiro das emendas parlamentares está ligado ao crescimento da corrupção no país. Em 2025, o orçamento federal destinou cerca de R$ 50 bilhões para emendas, valor que se manterá similar em 2026.
O advogado afirma que os parlamentares já contam com uma forma de proteção devido à falta de transparência. Para ele, a PEC serviria apenas para lhes dar uma tranquilidade adicional, funcionando como uma espécie de "acordo entre amigos".
O advogado avalia que, como muitos parlamentares estão envolvidos em ações suspeitas relacionadas ao pagamento de emendas, eles teriam interesse em se proteger uns aos outros.
É para proteger o Parlamento
Os apoiadores da PEC 3 de 2021 dizem que a proposta tem como objetivo proteger a atuação dos parlamentares. Segundo eles, a medida evitaria interferências indevidas do Judiciário e supostas "perseguições políticas". "Esta proposta não é uma permissão para abusar do poder, mas sim um escudo para defender o parlamentar, a soberania do voto e, acima de tudo, para garantir o respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado", justificou.
"É totalmente inacreditável que isso vá acontecer. Nós vimos parlamentares que foram cassados pela Justiça e que dependiam da votação no Congresso; isso leva muito tempo, e o corporativismo realmente protege. A autoproteção ali é enorme", concluiu.
Fonte - Noticias do ICL