O Jogo Político da Universal: Como a Igreja Atua para Barrar a Esquerda em 2026

Por dentro da engrenagem que mobiliza fiéis, influência midiática e recursos para influenciar o resultado das urnas no próximo pleito presidencial.

9/21/20255 min read

Em um curso de formação para futuros pastores, realizado no final de março, Alessandro Paschoal, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, descreveu a atual situação política brasileira como um conflito iminente. "Vocês estão preparados ou não estão? É para a guerra. Vocês estão indo para a maior guerra da história de vocês", disse ele, segundo documentos e vídeos obtidos pelo The Intercept Brasil.

Esses materiais revelam que a Igreja Universal, uma das maiores denominações neopentecostais do país, com cerca de 7 milhões de seguidores, iniciou um plano para eleger seus representantes nas próximas eleições de 2026. A mobilização da sua vasta base de fiéis é a principal estratégia para alcançar esse objetivo.

Um dos aspectos mais reveladores dos documentos é a exposição da estratégia de votos da Universal, que começa a ser implementada muito antes das eleições, fora das normas de regulação. A tática inclui um trabalho minucioso de relatórios de eleitores, propagação de mensagens em grupos de WhatsApp, visitas a residências e a instigação de “pânico moral” entre os fiéis para garantir o apoio aos seus candidatos.

De acordo com o advogado Fernando Neisser, professor de Direito Eleitoral da Fundação Getulio Vargas, o uso da estrutura da igreja – que dispõe de bilhões de reais e de uma vasta rede de meios de comunicação – para fins eleitorais pode ser considerado abuso de poder econômico.

Neisser traça uma linha entre a expressão política individual e a instrumentalização da igreja para fins de campanha. “Ideias políticas, em tese, não violam nenhuma lei”, diz ele. A participação de um líder religioso em um palanque de campanha, por exemplo, não é ilegal. Contudo, quando a igreja usa sua rede de pastores assalariados com o objetivo de fazer campanha, a situação muda, pois, como explica o advogado, isso “pode configurar abuso de poder econômico”.

O império de Edir Macedo, líder da Igreja Universal, tem como meta fortalecer sua presença política para avançar com pautas conservadoras e, em especial, tentar impedir a ascensão do PT ao poder. A Igreja conta hoje com um braço político robusto, que abrange desde sua base de fiéis até o partido Republicanos. Um dos nomes mais notáveis desse partido é Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo e pré-candidato à presidência da República.

Essa estratégia é orquestrada pelo Grupo Arimateia, a divisão de formação política da Universal. O Intercept teve acesso a documentos internos que revelam as diretrizes políticas que são repassadas a pastores e obreiros de todo o país.

O funcionamento dessa rede é meticuloso. Aproveitando a capilaridade da Igreja, as orientações são enviadas do alto escalão para as bases, unindo o discurso religioso e a agenda política. O objetivo é que a mensagem chegue aos pastores, depois aos obreiros e, por fim, a todos os fiéis.

Em um documento interno, o grupo Arimateia solicita que pastores apresentem relatórios detalhados sobre os títulos de eleitores de fiéis recém-convertidos ou que regularizaram sua situação. Prints de mensagens mostram que a participação de cada igreja e de seus membros é monitorada de perto pela coordenação. Em uma reunião de agosto, pastores e obreiros foram instruídos a lembrar os fiéis de regularizarem seus documentos eleitorais.

De acordo com o advogado Fernando Neisser, especialista em Direito Eleitoral da FGV, o ato de incentivar o voto ou criar planilhas com dados eleitorais não é ilegal. A ilegalidade ocorre quando se tenta controlar o voto do fiel, o que pode ser considerado coação eleitoral, um crime.

Neisser complementa que a Justiça Eleitoral é cautelosa com esse tipo de prática, pois frequentemente está ligada a esquemas de compra de votos. Quem compra votos, muitas vezes, busca listas de títulos de eleitor para confirmar se o voto foi para seu candidato, mesmo sem identificar o eleitor.

O tarifaço virou ‘guerra espiritual’

O império de Edir Macedo, fundador da Universal, vai muito além da igreja, que tem 1,8 milhão de fiéis. Ele controla a TV Record, o banco Digimais e mais de 120 empresas, além de um braço político forte no partido Republicanos, com 44 deputados, 4 senadores e 433 prefeitos.

Para ampliar esse poder, a Igreja intensificou as ações do grupo Arimateia, enviando vídeos e podcasts com mensagens políticas para garantir a vitória de seus candidatos. O conteúdo é coordenado pelo bispo Alessandro Paschoal, responsável pela formação política dos fiéis. Paschoal não é novato na política, já que também é chefe de gabinete do deputado estadual Gilmaci Santos (Republicanos), recebendo um salário bruto de R$ 34,7 mil em julho.

Em suas mensagens, Paschoal mescla política e religião em um tom alarmista, apresentando a derrota da esquerda como uma missão espiritual. Em um vídeo de agosto, ele sugere que as tarifas de Donald Trump poderiam levar a esquerda à vitória no Brasil, citando o Canadá e o México como exemplos onde uma suposta ação parecida teria virado o jogo a favor da esquerda.

"Há um mês atrás, estávamos tão seguros e tão próximos de ter uma virada em 2026", lamentou ele. O bispo, então, conclama os fiéis a "tomar muito cuidado e orar muito", pois, segundo ele, o Brasil vive uma "guerra espiritual" além das guerras tarifária e política.

Toda essa comunicação é centralizada: Paschoal envia as diretrizes para coordenadores regionais, que as repassam para pastores e ajudantes até chegarem aos fiéis, segundo o relato anônimo de um pastor ainda em atividade na igreja.

Conforme revelado por um pastor anônimo, a Igreja Universal está investindo na produção de entrevistas e programas que contam com a participação de líderes da igreja e candidatos a cargos de deputado estadual e federal apoiados pela instituição em todos os estados. A ideia é que cada templo se encarregue de compartilhar os links com seus fiéis, direcionando-os para os candidatos de suas respectivas regiões.

Em Goiás, por exemplo, o grupo Arimateia já avisou aos pastores que gravaria entrevistas com dois religiosos: Wellington Cardoso, que é pastor, membro da coordenação local e pré-candidato a deputado estadual, e Ricardo Quirino, pastor e deputado estadual pelo Republicanos, que busca uma vaga na Câmara Federal.

Além de tudo, os pastores e obreiros da igreja em Goiás foram orientados a copiar e imprimir o código QR das redes sociais dos pastores Cardoso e Quirino para incentivar os fiéis a seguirem os dois religiosos.

Com o sistema de produção de conteúdo em pleno funcionamento, os pastores são obrigados a prestar contas à coordenação do grupo Arimateia, informando o número de fiéis que assistem a cada programa de entrevista com líderes da igreja, que costumam misturar religião e política.

Existem metas claras para essa mobilização. Os templos de maior porte devem garantir a participação de 700 fiéis em cada programa, encorajando-os a enviar perguntas e comentários. As igrejas menores, por sua vez, precisam assegurar a participação de 300 fiéis. A Universal é conhecida por exigir o cumprimento de metas de seus pastores, e aqueles que falham podem ser punidos, muitas vezes sendo transferidos para congregações menores. Não está claro, nas mensagens analisadas, se há outros incentivos para essa mobilização.

De acordo com documentos analisados pelo Intercept, a Universal também está investindo na criação de uma estrutura de grupos, tanto virtuais como físicos. O projeto, chamado de "Me dê a mão", estimula os obreiros — a base da hierarquia religiosa — a formar grupos de WhatsApp com no máximo 12 membros da igreja.

Essa dinâmica se assemelha a um esquema de pirâmide: cada um dos 12 membros deve, posteriormente, criar um novo grupo com mais 12 pessoas. Inicialmente, o objetivo é compartilhar mensagens de fé, orações e conforto espiritual, segundo o depoimento de Davi Vieira, ex-pastor da Universal (2003-2008) que hoje utiliza suas redes sociais para criticar a instituição.

 Fonte - intercept Brasil