O Jogo Geopolítico de Trump: A Venezuela no Centro do Tabuleiro

Como ataques retóricos e sanções servem a estratégias domésticas e disputas por influência global.

Ricardo de Moura Pereira

12/7/20256 min read

A retórica agressiva do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra a Venezuela, frequentemente resumida na mídia a uma disputa por petróleo ou ideologia, esconde um tabuleiro geoeconômico muito mais complexo e decisivo. Recentes dados apresentados pela vice-presidenta venezuelana, Delcy Rodríguez, à Assembleia Nacional, e destacados em reportagem da teleSUR, lançam luz sobre uma motivação estratégica de peso: o controle sobre recursos minerais críticos para o futuro.

Enquanto a atenção mundial se voltava para os campos petrolíferos, a Venezuela registrou uma forte expansão na produção de ouro e ferro. Mais do que isso, o país avançou significativamente em acordos estratégicos com Rússia e China para a exploração de vastas reservas de minerais como coltan, diamantes, níquel e terras raras — elementos absolutamente vitais para a indústria de alta tecnologia, de smartphones a sistemas de armamentos avançados.

Este cenário redefine completamente a equação geopolítica. Os Estados Unidos, visando assegurar sua hegemonia tecnológica e industrial, não podem ignorar que um país sob sua esfera de influência tradicional esteja firmando parcerias com seus principais rivais globais em setores tão sensíveis. As sanções e ameaças, portanto, não são somente uma tentativa de mudar um governo; são uma manobra para interromper um realinhamento estratégico que transfere ativos de enorme valor do eixo ocidental para o sino-russo.

O ataque econômico à Venezuela ganha, assim, uma nova dimensão. Trata-se de uma guerra pelo controle das cadeias de suprimento do século XXI. Impedir que Caracas monetize suas riquezas minerais com parceiros alternativos é um objetivo central para Washington, que busca asfixiar financeiramente o país e tornar inviável qualquer projeto de soberania que escape ao seu domínio.

A consequência é um cerco cada vez mais feroz, onde a população venezuelana se torna refém de uma disputa global por recursos. Entender a ofensiva de Trump sob esta lógica – uma corrida por ouro, ferro e minerais do futuro, travada numa nova Guerra Fria — é essencial para decifrar a verdadeira razão pela qual a Venezuela permanece no centro do furacão.

 
Tesouro Sob Cerco: Os Números que Explicam a Guerra Econômica contra a Venezuela

Os discursos agressivos de Washington contra a Venezuela raramente citam números concretos. Mas são justamente os dados que revelam o verdadeiro tabuleiro desta disputa. Em informe apresentado à Assembleia Nacional em 4 de dezembro de 2025, a vice-presidenta Delcy Rodríguez, citado pela teleSUR, detalhou um avanço econômico que redefine a posição do país no mapa global de recursos.

A produção de ouro no setor público cresceu 97,6%, enquanto a produção privada aumentou 41%. Já as exportações de ferro e seus derivados deram um salto de 181%, em sintonia com as metas do Plano de Desenvolvimento Nacional. Rodríguez atribuiu estes resultados ao esforço da classe trabalhadora do Motor Minero e das Indústrias Básicas, destacando uma recuperação produtiva que vai muito além do petróleo.

Esses números não são apenas estatísticas econômicas – são a chave para entender a persistência da pressão internacional. A reportagem associa a obsessão do governo Trump, que inclui planos de estender sanções até 2028, às vastas reservas naturais venezuelanas. Além da maior reserva petrolífera do mundo, o subsolo do país guarda riquezas críticas para a indústria moderna: ouro, ferro, bauxita, carvão, coltã, níquel, cobre e diamantes.

Desde 2021, com o Decreto nº 4.598, o governo do presidente Nicolás Maduro classificou como estratégicos minerais como casiterita, níquel, ródio, titânio e elementos de terras raras – essenciais para a produção de smartphones, baterias de veículos elétricos, equipamentos militares e energias renováveis.

O Banco Central da Venezuela confirma a dimensão deste patrimônio: o país lidera as reservas oficiais de ouro na América Latina, com 161 toneladas, cerca de 25% a mais que México, Brasil e Argentina juntos.

Enquanto a narrativa internacional tenta reduzir o conflito a uma questão ideológica, os fatos apontam para uma guerra pelo controle de recursos estratégicos. O crescimento da produção mineral venezuelana, em parceria com nações como Rússia e China, representa não apenas uma vitória econômica, mas um desafio geopolítico direto aos interesses históricos de Washington na região.

A pergunta que fica é: até quando a comunidade internacional permitirá que uma potência estrangeira busque asfixiar um país por deter as riquezas que o futuro exige? Os números da Venezuela sugerem que a resposta será dada não em discursos, mas no subsolo.

O Novo Eldorado sob Pressão: O Peso do Ouro na Geopolítica Venezuelana

Para além do petróleo, há outro metal que brilha no coração da estratégia econômica — e do conflito geopolítico — da Venezuela: o ouro. O país não apenas possui a quarta maior mina de ouro do planeta, com reservas colossais estimadas em 3.500 toneladas, como também concentra entre 10% e 23% das reservas mundiais de minerais considerados estratégicos para a indústria global. Este não é apenas um dado geológico; é um fato político de primeira grandeza.

A atividade aurífera é um motor vital para a economia nacional, gerando aproximadamente 250 mil empregos diretos e indiretos, sustentando comunidades e injetando recursos em um país sob cerco financeiro. O setor opera conectado aos mercados globais: a cotação do ouro venezuelano segue o valor internacional definido pela bolsa COMEX de Nova York, onde a onça troy já supera a barreira dos US$ 4.200.

No mercado doméstico, esse valor é convertido pelo câmbio oficial do Banco Central da Venezuela, mas as transações permanecem profundamente dolarizadas na prática, refletindo a realidade paralela de uma economia sob pressão extrema. Um grama de ouro de 18 quilates, por exemplo, oscila entre US$ 73 e US$ 75, enquanto o de 14 quilates é negociado por cerca de US$ 50 a US$ 51.

Esses números desenham um panorama claro: a Venezuela senta-se sobre uma fortuna em recursos não renováveis que são cobiçados globalmente. A insistência de Washington em manter e ampliar as sanções, muitas vezes justificada por retórica política, encontra um motivo muito mais tangível e perene na disputa pelo controle destas riquezas estratégicas. Enquanto o ouro venezuelano brilha no subsolo e financia o desenvolvimento nacional, ele também lança uma sombra longa sobre os mapas das potências, explicando por que o país segue, ano após ano, no centro do furacão.

A  Luta pela Soberania sobre o Subsolo Venezuelano

A cobiça pelo ouro venezuelano não é um fenômeno do século XXI. Ela tece sua história desde antes de 1800, como atestam os registros deixados por missionários capuchinhos e funcionários da coroa colonial. Este passado longínquo moldou uma cultura que permanece viva: o antropólogo Sergio Milano, da Universidade Nacional Experimental de Guayana, observa que “até a data, a cultura mineradora ao sul do Orinoco vem se estruturando e consolidando como uma maneira de pensar e agir particular”. É uma identidade forjada na relação direta, e muitas vezes brutal, com a terra e seu metal mais cobiçado.

Por mais de um século, a narrativa dominante foi de extração sem soberania. Políticas estatais permissivas ou omissas criaram um cenário de saque institucionalizado, onde a riqueza fluía para fora, deixando como rastro a devastação ambiental e o abandono de comunidades inteiras. A contradição é histórica e ideológica: ainda que Simón Bolívar, o Libertador, defendesse com veemência que as minas eram propriedade inalienável da República, sucessivos governos de orientação direitista — como aponta a análise — seguiram o caminho oposto.

A concessão de territórios a multinacionais estrangeiras e a particulares aprofundou um ciclo de conflitos fundiários e danos ecológicos profundos, consolidando um modelo onde o benefício nacional era secundário. Este padrão ajudou a desenhar o mapa atual de tensões, onde a luta não é apenas por recursos, mas pelo direito de definir seu destino: continuarão as riquezas minerais a ser um enclave de interesses externos, ou se converterão, finalmente, no alicerce de um projeto soberano de desenvolvimento?

A história do ouro na Venezuela é, portanto, um espelho das lutas não resolvidas da nação. Cada pepita extraída carrega o peso de séculos de colonialismo, de promessas republicanas traídas e de uma resistência cultural que se recusa a desaparecer. Entender este passado é essencial para decifrar a ferocidade da disputa atual: o que está em jogo não são apenas toneladas de um metal precioso, mas o controle sobre uma narrativa histórica e o poder de, finalmente, reverter uma espiral de pilhagem que começou com a chegada dos primeiros cronistas.