Apocalipse nos Trópicos: União de Religião e Política Favorece Quem?

Os Custos para a Democracia e a Sociedade

Ricardo de Moura Pereira

7/9/20254 min read

Em uma cena do filme "Apocalipse nos Trópicos", a diretora Petra Costa questiona o entrevistado sobre o que ele acredita que acontecerá com a democracia no Brasil. E ele responde que a "nação brasileira está passando por um momento diferente". Eles não conseguem compreender o que está ocorrendo, pois a guerra não é contra pessoas. A guerra é de natureza espiritual. Jesus entrou. A vitória em nome do Senhor Jesus. A conquista."

A propósito, o deputado e pastor Cabo Daciolo é o entrevistado. Em 2016, enquanto a cineasta gravava "Democracia em Vertigem", ele ungiu a bancada do Congresso Nacional com o auxílio de assistentes e/ou irmãos e irmãs de fé evangélica. Ao término da conversa, Daciolo presenteia Petra com uma cópia da Bíblia.

Certamente estamos passando por um período sem precedentes, que por um longo período foi ignorado pela sociedade em geral, bem como por cientistas políticos, historiadores e imprensa. Nos últimos quatro décadas, a população evangélica no Brasil aumentou de 5% para 30%. Juntamente com esse crescimento, também aumentou a quantidade de evangélicos ocupando posições políticas nas esferas municipal, estadual e federal.

Que época histórica é essa? Quando isso teve início? Como teve início? E, pergunta fundamental: qual será o destino desse trajeto histórico percorrido? Petra, indicada ao Oscar por "Democracia em Vertigem", explora e busca compreender tudo isso em seu novo filme, que teve sua estreia mundial no Festival de Veneza em setembro de 2024.

Nos últimos anos, assistimos a uma crescente e, por vezes, turbulenta união entre a religião e a política, especialmente em contextos tropicais como o Brasil. O que antes parecia uma linha tênue, hoje se mostra como um emaranhado de interesses e discursos que, para muitos, evoca a ideia de um "Apocalipse nos Trópicos". Mas afinal, essa união favorece quem?

Petra Costa, diretora de "Democracia em Vertigem" (disponível na Netflix), documentário indicado ao Oscar que considera o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) um golpe, não oculta sua inclinação política à esquerda. Assim como outros integrantes desse espectro, ela analisa essa expansão de maneira crítica.

As escolhas de representação do movimento, por si mesmas, comunicam esse discurso. Bolsonaro é católico, porém se aproximou dos evangélicos por meio de sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), em uma ação mais política do que espiritual. Por outro lado, Malafaia é conhecido por ser mais radical do que outros pastores, possuindo um histórico de declarações prolixas e apoio financeiro a protestos.

Vitória em Cristo é uma instituição pentecostal, apenas uma das muitas denominações da religião. Os 47,4 milhões de evangélicos brasileiros também estão divididos em igrejas evangélicas históricas, adventistas, anglicanas, batistas, presbiterianas etc. A instituição possui aproximadamente 110 templos dos mais de 100 mil existentes no país.

De acordo com os pesquisadores Juliano Spyer, Guilherme Damasceno e Raphael Kalil, no livro “Crentes: pequeno manual sobre um grande fenômeno” (Record, 2025), a igreja de Malafaia é um dos ministérios desmembrados da tradicional Assembleia de Deus, que teve papel preponderante na “expansão da fé evangélica pelo país” e tem fiéis que “atribuem grande valor às manifestações espirituais, como milagres, curas e êxtases”.

No filme "Apocalipse nos Trópicos", o pastor sobe ao púlpito para convocar os fiéis a "ocuparem espaços de poder" e prega contra o "marxismo cultural ensinado nas escolas". No carro, afirma à câmera de Petra que outras lideranças se “alienaram” na “montanha da religião”, ao contrário do que considera ter feito.

Assim, o rito não é unânime. Outros pastores escolhem a neutralidade. Uma pesquisa publicada pelo Datafolha em meados de 2024 revelou que 55% dos evangélicos paulistanos consideram o apoio das lideranças “pouco” ou “nada” importante para a definição de seu voto. No mesmo estudo, 78% afirmaram que ter fé em Deus é fundamental para a escolha.

“Existem muitos ‘evangélicos culturais’, indivíduos que se identificam com referências literárias, podcasts e influências digitais cristãs, aderem aos princípios e acompanham pregações online, porém não veem a necessidade de se vincular a uma instituição”, afirmou à IstoÉ o antropólogo Juliano Spyer, autor do mencionado “Crentes”.

Petra explicou que tanto Malafaia quanto Bolsonaro estavam disponíveis e prontos para dar entrevistas durante o período de filmagem, após a exibição do filme na capital paulista.

Bolsonaro e Lula sob o crivo crente

O filme de 110 minutos retrata Bolsonaro desde sua época como deputado do baixo clero até sua presidência como ex-chefe de Estado. Durante o auge de seu poder, continua sendo aconselhado por Malafaia, que revela ao documentário ter ameaçado “queimar” o amigo no meio evangélico caso ele não ratificasse a nomeação de André Mendonça, a quem se referia como “terrivelmente evangélico”, para o STF.

De acordo com a produção, o aconselhamento orientou o líder do Executivo durante a pandemia de covid-19, período em que ele proferiu discursos contrários à vacinação e o país enfrentou mais de 716 mil óbitos. O documentário relaciona a negação de Bolsonaro à fé cristã e afirma que o ex-presidente substituiu a aquisição de vacinas por "orações e promessas".

Ainda existe espaço para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ganhou as eleições de 2022 apesar de receber a minoria dos votos dos crentes. Em entrevista à diretora, o petista admite que “ninguém trabalhou como ele”, aludindo ao seu oponente, o eleitorado evangélico. Durante a campanha, Lula divulgou uma carta direcionada aos religiosos, participou de cultos e se encontrou com pastores, acontecimentos que foram retratados no longa-metragem. Contudo, desde que voltou ao Palácio do Planalto, as ações direcionadas a esse grupo da população foram limitadas.

"Apocalipse nos Trópicos" conclui com a invasão das sedes dos Três Poderes, ocorrida em 8 de janeiro de 2023. Ao término da apresentação, Petra teve a oportunidade de assistir a dois novos filmes, sendo um deles voltado para o impacto das "big techs" na política.