Em um estudo, um pesquisador da UFRJ argumentou que, com a tecnologia e aulas virtualizadas, os professores são responsáveis por aulas muito mais amplas e são substituídos por matérias gravadas, um movimento que tem conduzido a cortes de professores em grande escala. Quando definiu o foco de seu novo trabalho, o estudioso Yuri Lima começou a considerar a análise do efeito da covid-19 no Brasil em uma ampla gama de profissões. Porém a condição dos professores despertou sua atenção na proporção em que se tornou o eixo central do trabalho.
Lima notou que a aposta das instituições privadas no ensino à distância (EaD), uma evolução que vem da época de 2010 e que se tornou fortemente reforçada na pandemia, esteve relacionada ao passo de redução de pessoal e às pré-condições de trabalho precárias dos professores. Nas listas das profissões que têm "o maior futuro", como um importante estudo de 2013 da Universidade de Oxford (Inglaterra), os professores surgem entre as profissões com maior possibilidade de resistir à automação.
Porém, o pesquisador do Laboratório do Futuro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) diz que o ensino à distância emerge como "uma forma indireta de automação", que "está inserida no modelo de negócios de certas empresas". No momento, parte da carga horária do curso é preenchida por vídeos pré-gravados, que podem ser usados durante anos pelas faculdades, e que substituem o material dado presencialmente por um professor.
Rodrigo Barbosa e Silva, pesquisador sênior em tecnologias no Laboratório de Tecnologias de Aprendizagem Transformativa da Universidade de Columbia (EUA), explica que "temos visto talvez por quase duas décadas uma série de cursos on-line na área de lato sensu [cursos destinados à atualização e especialização] nos quais a classe foi registrada, às vezes com alunos pessoalmente ou interagindo à distância"
"E o que acontece com essa turma? Tenho visto contratos nos quais esta classe é válida por três anos com a possibilidade de prorrogação. A aula que foi dada por um docente, digamos por 10 horas, acaba sendo retransmitida por três anos ou mais".
O principal ponto de viragem da tecnologia é o tamanho das salas de aula: uma sala com, por exemplo, 50 alunos, que seria considerada "inchada" dependendo do espaço físico, hoje dá lugar a salas de aula virtuais que comportam, em alguns casos, até mil alunos. Estas mudanças permitiram uma redução significativa dos custos para as empresas educacionais em suas folhas de pagamento.
A BBC News Brasil pediu à Associação Brasileira de Provedores de Ensino Superior (ABMES), que representa faculdades privadas em todo o país, uma posição sobre a situação dos professores, mas a entidade preferiu não comentar.
Entre março de 2020 e dezembro de 2021, o número de professores em faculdades particulares caiu 7,14%, com a saída de quase 30 mil profissionais, segundo o Ministério do Trabalho.O ano 2020, o primeiro da pandemia do coronavírus, também marcou a primeira vez na história em que os cursos à distância tiveram mais alunos novos do que os cursos presenciais. Em dez anos, o crescimento da EaD foi de 428% no país.
Mesmo antes da pandemia, um decreto assinado pelo então Ministro da Educação Abraham Weintraub permitiu que os cursos em sala de aula tivessem 40% das aulas virtuais em relação à carga total do curso (uma exceção é o curso de Medicina). O Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação, um órgão independente associado ao MEC que formula e avalia a política educacional nacional, não responderam aos pedidos da BBC News Brasil para uma posição sobre o assunto.
"A diferença entre os dois métodos é significativa do ponto de vista da estrutura. A instrução em sala de aula requer muitos professores em sala de aula. Requer uma infra-estrutura física e administrativa muito grande", diz Lima.
Yuri Lima faz questão de enfatizar que o ensino à distância não deve "ser visto como um vilão" ou que seu estudo representa uma postura "neo-ludita" (uma referência ao movimento dos trabalhadores que destruíram as novas máquinas que os substituíram durante a revolução industrial inglesa).
"Eu, como uma pessoa que vem do campo da tecnologia, sou um grande crente no potencial dela para melhorar a educação", diz ele. "É possível utilizar a tecnologia de forma a expandir a qualidade em vez de tornar o ensino e o trabalho mais precários".
Para Barbosa e Silva, "é importante notar que o fenômeno não está na tecnologia - não é a existência de EaD e as possibilidades de comunicação e interação à distância que estão causando este problema". E, ao contrário, a estrutura social por trás da educação ou das necessidades financeiras das instituições educacionais".
O professor Rodrigo Mota Amarante soube de sua demissão da faculdade da Uninove, em São Paulo, através de um pop-up: uma mensagem que apareceu na tela de seu computador quando ele começou seu turno semanal.
"A demissão pop-up é muito estranha, não é mesmo? Os professores simplesmente entraram no sistema para ensinar, era uma segunda-feira, um dia normal de escola. Então você entra no sistema para dar aula e é bloqueado: você foi demitido". "Está muito frio, está muito distante. Cruel, para ser bem honesto", diz ele.
Amarante, que acrescentou quase 25 anos à sua carreira de professor, foi demitido em um corte de 300 profissionais da Uninove em 22 de junho de 2020.
Fonte da Matéria o portal Terra do brasil